Capítulo 1

O Coração sabe o que diz!

Era uma vez, há cerca de 70 anos atrás, uma menina chamada Beatriz, que guardava porcos com os seus pais e irmã, em terras do Alentejo. A sua casa era feita de palha, paus secos e lama seca, criada apenas como abrigo por uns dias, pois tinham de acompanhar os porcos na sua jornada em busca de comida, mal a estação começava a mudar.


Beatriz era uma menina rebelde, sonhadora e muito brincalhona. Falava, brincava e metia conversa com tudo, mesmo com o que não se mexia ou não estava vivo. Tinha apenas 6 anos e o seu maior sonho era ir à escola e conhecer mais meninos e meninas como ela. Mas o seu estilo de vida não o permitia, pois estava pouco tempo nos locais mais próximos das aldeias onde existiam escolas. Os seus pais não sabiam ler e quase nem o nome próprio conseguiam escrever. A sua irmã mais nova passava o tempo pensativa e reclamando com tudo.

Sempre que Beatriz e sua família abandonavam um local e a casa que os abrigou durante algumas noites, fazia uma dança para a casa de palha. No seu espírito rebelde e livre, à sua maneira agradecia pela experiência naquele determinado local e até os porquinhos mais brincalhões e amigos dela a acompanhavam saltitando à sua volta e com ela naqueles momentos.

E é aqui que a nossa história começa…
- Trá…lá…lá…lá…lá, quando eu voltar ainda estás cá… trá… lá… lá…lá… lá, posso não voltar e tu saberás… - cantava Beatriz correndo e dançando à volta da cabana de palha, enquanto os seus pais arrumavam as coisas para saírem. Os porquinhos mais rebeldes e brincalhões, corriam com ela e chocavam uns nos outros, criando uma música especial com os seus sons de porco. Tudo parecia estar em sintonia..

- Vá lá Beatriz, temos que ir embora - diz o seu pai – o sol está quase a nascer, e hoje vai fazer muito calor! Temos que nos despachar!!
- Já vou pai… - e continuava cantando e dançando à volta da cabana de palha com os seus porquinhos amiguitos, e depois de muitas voltas parou em frente à entrada da cabana e apontando o dedo diz: ‘Cabana linda vais chamar-te sítio do vento!’ – nesse momento, o vento sopra e a cabana deixa sair algumas palhas e Beatriz fica assustada e corre para perto de sua mãe perguntando:
- Oh mãe… será que o vento ficou zangado comigo?
- Filha, não sei o que estás a dizer… arruma as tuas coisas e vamos embora daqui… - responde a sua mãe sem ligar muito ao que ela estava a dizer.

Beatriz começa a caminhar e a afastar-se da cabana de palha. Os porquinhos correm para as suas mães porcas e pela primeira vez, sente uma sensação de tristeza em sair de uma cabana, igual a tantas outras que os seus pais tinham feito. Começa a caminhar e fica calada. A sua irmã (Maria Antónia) estranha o silêncio de Beatriz e pergunta-lhe: – Mana, o que tens? Picou-te algum bicho?
Beatriz responde: – Não tenho nada! Deixa-me em paz… e além disso, os bichos só te picam a ti! – num tom quase zangada…
A sua irmã estranhou aquela resposta, mas rapidamente se envolveu nas coisas que tinha a fazer, não dando importância.

Várias horas passaram após terem saído do ‘sítio do vento’, e Beatriz continuava cabisbaixa e triste. O que não era normal, pois ela amava a novidade de um novo local e sua mãe aproximou-se dela e perguntou-lhe:
- Minha filha, queres dizer à mãe o que se passa? Porque estás tão triste?
- Mãezinha, não é nada de especial… coisas minhas…
- Mas podes dizer-me que coisas são essas?!
- Mãe, eu dei um nome à nossa cabana, e parece que não acertei no nome, pois logo a seguir veio uma rabanada de vento que quase a desmancha.
- Bia, que nome deste à nossa linda cabana?
- Sitio do vento mãezinha!! – respondendo com um ar de envergonhada, como se aquilo fosse a coisa mais absurda do mundo.
- Minha querida filha, não tens de ficar triste, cá para mim foi o vento a dizer-te que gostou do nome e por isso soprou forte!
- Achas mãe? Então o vento estava a ver-me bailar à volta da cabana?
- Sim, o vento vê tudo, tal como o sol, a terra e a água.
- Percebi mãezinha, afinal o vento quis dançar comigo e eu fui parva e fugi!!
A mãe de Beatriz, já não sabia o que fazer para ver a filha feliz. Pega-a ao colo e afagando-a no seu peito diz-lhe: - Minha querida filha, um dia quando voltarmos à Cabana do Vento…
É interrompida pela filha que corrige dizendo – Não mãezinha é o Sitio do Vento…
… ok, quando voltarmos ao sitio do vento, tu pedes desculpa ao vento e convida-lo para dançar contigo Se ele soprar, é porque aceitou a dança… se não soprar, é porque está a dormir!
- O vento também dorme mãezinha?
- Sim, tudo dorme e tudo está acordado quando é necessário, assim é a vida.
- Então já sei, posso pedir desculpa ao vento através dos meus sonhos, posso…posso??!
- … podes tudo minha querida filha, o que conta é o que o teu coração sente, tudo o resto são detalhes menos importantes…

E foi assim que Beatriz descansou naquele dia. O seu coração já palpitava de alegria por saber que ia conhecer um sítio diferente onde dormir e quem sabe reencontrar novamente o seu amigo vento.

Joaquim Caeiro
(Histórias de Vida Real)
Life Coach | jcaeiro@live.com.pt

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