Capítulo 3

Nada acontece por acaso

O caos estava instalado. O vento pegava em tudo o que encontrava pela frente e mandava para o ar. Senhorinha debatia-se com o cercado improvisado que arranjou para segurar todos os porquinhos, enquanto Maria tomava conta das roupas e das coisas pessoais. Beatriz e seu pai não se avistavam do local onde Senhorinha e Maria se encontravam.
Senhorinha gritava bem alto: ‘Filipe… ohh Filipe, onde estás?’ – mas era escusado, o vento, a chuva não deixavam que a sua voz o alcançasse. Só restava confiar que tudo estava bem e esperar que a tempestade passasse.

Tudo foi muito repentino. Senhorinha e Filipe já estavam acostumados a serem surpreendidos por tempestades, ventanias, ciclones e cheias ao longo da sua jornada como guardadores de porcos. Mas, Maria e Beatriz ainda estranhavam tudo isso e perdiam-se nas suas emoções e questões de crianças que eram.

A chegada repentina do vento em remoinho, ao que Filipe chamava de ‘ciclone’, apanhou-os desprevenidos. ‘Talvez o tempo que Filipe dedicou à cadela que haviam encontrado, teria sido útil para preparar devidamente o abrigo – pensava Senhorinha um pouco ansiosa – mas ao mesmo tempo, pobrezinha da cadela que ficaria à mercê da tempestade... – portanto, foi melhor assim!’ Conclui!

Mas, preocupada, pensa em Beatriz e no seu marido – como estariam eles?
Na confusão, havia percebido que se tinham encontrado no vale, mas com a escuridão, a chuva e o vento, deixou de os ver.

No fundo da encosta, à beira do rio, Beatriz, abraçada ao seu porquinho salta-pocinhas, e aconchegada no colo do seu pai, observava tudo o que se passava fora daquela pequena gruta com admiração e algum medo. Na sua mente passavam várias questões:
‘- Não haveria nada que pudesse parar aquela tempestade? O que será que aconteceria depois de tudo isto passar? Como ficariam os animais que vivem no campo desprotegidos? Como ficariam as pequenas formigas depois de terem sido sugadas pelo senhor vento? Será que os ninhos dos passarinhos conseguiam aguentar toda aquela força?’

O corpo de Beatriz revelava a ansiedade que ela respirava com todos os seus pensamentos. Seu pai segurava-a com alguma atenção, pois sabia que a qualquer momento, num impulso característico de Beatriz poderia escapar-se e tentar fazer algo…

Beatriz olhou o seu pai e disse:
‘- Pai, já tinha visto uma coisa assim?’
- Sim minha filha, tu não te lembras, mas todos os anos, apanhamos tempestades. Só que umas vezes estamos debaixo de teto, outras, na maior parte das vezes, estamos como estamos agora no campo ao ar livre.
- Pai acha que os porquinhos correm perigo de vida?
Não filha! Tenho a certeza que a tua mãe e a tua mana os abrigaram bem da chuva e do vento... – Filipe faz uma pausa, respira fundo e olha diretamente nos olhos de Beatriz dizendo - Tive muito medo que fosses empurrada para o rio e nunca mais te visse. Existem muitas histórias de crianças, filhos de pastores que desaparecem nestas alturas. – diz Filipe, enquanto aperta um pouco mais a sua filha contra o seu corpo.

Beatriz olha nos olhos de seu pai e aperta-se contra ele devolvendo o mesmo amor e carinho. E diz: ‘Sabes pai, sinto-me parte do vento, da terra e dos animais. É como se eles comunicassem comigo no silêncio da sua presença. – Beatriz pega no salta-pocinhas e afasta-o de forma a poder ver os seus olhos e sorrindo diz para o porquinho – ‘Não é meu pequenino?!’ – ao que o porquinho parece responder com os seus sons, naturalmente associados ao facto de ser pegado e elevado um pouco no ar.
E Beatriz acrescenta: ‘Estás a ver pai, o salta-pocinhas entende-me até me responde e tudo!!’
‘- Filha, quando cresceres vais perceber que os porcos falam com os porcos, os cães falam com os cães e os pássaros falam com os pássaros. Vais perceber que tu só comunicas com pessoas…’
Beatriz interrompe, num tom de quem não estava à espera de ouvir o que ouviu dizendo – ‘… não pai! Não acredito e não sinto isso. Vou continuar a falar com as flores, com os animais, pois todos estão vivos tal como eu!’
‘- Filha, tens razão! Tudo o que é vivo merece a nossa atenção e o nosso amor!’ Termina Filipe afagando ainda mais Beatriz e o salta-pocinhas, no seu colo.

Entretanto ouvem um som forte e estridente. O vento era tão intenso que arrastava velhas latas pela encosta abaixo. O rio parecia ter ganhado vida e estava violento e cheio de coisas que ali eram depositadas. A penumbra causada por toda a tempestade mantinha-se, mas o som diferente, inquietou Filipe!

Apesar de terem passado apenas alguns minutos, parecia que já estavam ali há muitas horas! O som estridente, vindo do alto da encosta obrigou Filipe a tomar uma decisão drástica – abandonar a gruta onde estava com a sua filha Beatriz e ir ver o que se passava. 
‘- Minha querida filha, preciso que me prometas que não sais daqui enquanto tudo isto não acabar!!’
- Porquê paizinho? Vais-me deixar sozinha!?
- Sim. Estou preocupado com a tua mãe e irmã. Este som não sei o que poderá ter sido e tenho que ir ver se precisam de ajuda. Mas tu ficas aqui quietinha tá bem?
- Vai pai. Tem cuidado. Eu fico acompanhada pelo salta-pocinhas. Sei que o sr vento não me fará mal.’
Filipe sobre a encosta contrariando o vento e a chuva. Por ele passam voando com o vento, trapos velhos, pedaços de lixo, e por breves instantes parece ter visto um pequeno animal…

Após uns quantos passos, descobre um dos porquinhos entalados entre uma lata velha e uma rocha. Estava um pouco baralhado e assustado, mais uns segundos e tinha-se precipitado pela encosta abaixo em direção ao rio. Mas Filipe conseguiu tirá-lo e levá-lo consigo.

Ao aproximar-se viu Senhorinha e Maria. Sorriu e todos se abraçaram. Tudo estava bem com elas felizmente. Ao pousar o porquito junto dos restantes, o céu abriu-se, as nuvens desapareceram, a chuva parou e é como se de repente tudo parasse. O vento já não existia. Um silêncio ensurdecedor instalou-se no ar.
Silêncio interrompido pelos gritos de Beatriz que corria encosta acima com o seu salta-pocinhas, procurando os seus pais e irmã. O abraço conjunto repetiu-se e Maria, um pouco intrigada pergunta a seu pai – ‘Pai, porque saíste do abrigo enquanto ainda estava a chover e a fazer tanto vento? Podias ter-te magoado!’
- Maria ouvimos um som estranho que pareceu vir daqui e fiquei preocupado, por isso vim! Mas, nada é por acaso, talvez se não tivesse vindo, não teria salvado o porquito que encontrei. Talvez o som tenha sido Deus a chamar-me para salvar o porquito… - diz Filipe sorrindo!
Beatriz olha espantada para o seu pai e diz – ‘Afinal também acreditas que Deus fala contigo – apanhei-te!!!’

Entretanto, à medida que a luz do dia volta ao normal, começam a ver os estragos do ciclone. O pior de tudo é que, a ponte, a única forma de atravessar o rio, ficou submersa, o que iria obrigar Filipe e Senhorinha a pensar em outras alternativas, sendo a mais provável, atravessar o rio a nado, no ponto mais baixo! Maria e Beatriz, completamente alheias ao que o futuro lhes reserva, verificam a cadela assutada e os porquitos. Apesar de tudo, os corações de Filipe e Senhorinha estavam felizes – tudo estava bem, porque tudo estava vivo. Talvez o som tenha sido uma rocha que caiu na encosta, ou uma lata velha a voar pelos ares, mas que importa isso se o mais importante está a salvo!!? J

(continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário