O dia já quase chegava ao fim,
quando Beatriz, sua irmã e seus pais se aproximavam do novo local onde iriam
ficar mais uns tempos. Esta viagem tinha sido um pouco diferente das
anteriores. Via-se no rosto de Beatriz a alegria de uma nova conquista – havia ganhado
um novo amigo, o ‘Sr Vento’ – com quem se divertiu durante todo o percurso até
ali.
Cansados de tanto andar, todos
ansiavam pela paragem final, onde pudessem finalmente descansar. Os porquinhos
pareciam sentir a aproximação da paragem final e brincavam alegremente em cada
metro que se avançava.
-
Mãe!! Ohhhh Mãe – gritou Beatriz entusiasmada - … olhe, ali em baixo corre água… o que é
aquilo mamã?
-
Aquilo é o Rio Degebe, filho do Rio Guadiana minha filha!
- Filho?! – pergunta Beatriz num tom como quem estava a estranhar a
situação - … e nesse instante Maria Antónia, sua irmã, interrompe a sua postura
perplexa com um empurrão desajeitado gritando e desafiando Beatriz - ‘A última a chegar é uma melancia…!’-
correndo pela encosta abaixo até bem próximo das águas do rio.
- Bia e Maria, não são horas de brincadeira!! Temos que descobrir um sítio para pernoitar e depois podem brincar à
vontade. – diz sua mãe num tom de voz meio alterado.
- Pai… ohhh paiiii… venha aqui depressa, está ali um cão… parece que está
doente. - Grita Beatriz.
Ao mesmo tempo sopra no seu
rosto uma suave brisa que a faz parar e olhar à sua volta como quem está a ver
toda aquela beleza pela primeira vez. As águas límpidas do rio faziam brilhar
as pedras gastas pela corrente. Os açudes que abraçavam pequenos recantos de
água, como se fossem pequenas barragens, convidavam à exploração. Beatriz
estava a reconhecer o local e a sentir-se de novo com a sensação de estar ‘em
casa’.
Entretanto a sua irmã já se
tinha aproximado do cão com cautela e aguardava o seu pai para perceber o que
se passava. O cão estava ferido numa pata, e parecia que não iria durar muito
mais tempo de vida. Conseguiam ver-se os ossos por debaixo da pele, tal não era
a desnutrição do pobre coitado. A sua cor amarelada, ao longe, fazia lembrar um
borrego em fase adolescente, mas na verdade era mesmo um cão que ali estava.
Beatriz, recorda o seu amigo
vento e por um instante quase que jura ter sentido o seu abraço, como que um
cumprimento de boas vindas naquele local tão belo e perfeito. Sorri e vira-se
de rompante e corre em direção ao cão e mesmo antes do seu pai se aproximar,
Beatriz já havia criado ligação ao animal. Ela tinha essa forma estranha e
natural de se ligar ao mundo animal, como se comunicasse com eles, tal como
fazia com o seu amigo vento.
E assim que o seu pai se aproxima, Beatriz diz
entusiasmada:
- É uma cadela pai! Ohhh coitadinha, está triste, cheia de fome e tem uma
ferida numa pata!!! Podemos ficar com ela?!! Podemos cuidar dela?!
- Primeiro deixa-me ver como ela está. (diz seu pai em tom
apreensivo, ao mesmo tempo que se aproxima do animal)
O pai de Beatriz era uma alma
bondosa e atenta, mas de poucas palavras. Sempre que era necessário, a sua
presença fazia-se sentir pela sua assertividade e ação justa. Estava habituado
aos amuos e episódios de tristeza das suas filhas pelo apego que criavam aos
animais e tentava a todo o custo minimizar tais acontecimentos. Poucos dias
antes tinham perdido um cão que os havia acompanhado noutras passagens. Tinha
sido ferido por uma vaca que tinha acabado de parir e protegia o seu bezerro.
Foi antes de Beatriz ter conhecido o seu amigo vento.
Entretanto os porcos correm
para o rio e começam a beber água.
O céu estava estranho desde
que haviam chegado aquele local. As nuvens pareciam correr umas atrás das
outras. Como se de repente o dia ficasse quase noite. Entretanto Beatriz e
Maria faziam festas à cadela enquanto lhe tiravam os carrapiços e alguns picos
que ela tinha no seu pêlo em todo o seu corpo. Descobrem que ela tinha uma
corda ao pescoço, já meio entranhada na pele em ferida.
Ao mesmo tempo, Senhorinha,
mãe de Beatriz e Maria, tinha encontrado um local ideal para poderem passar a
noite. A jornada de transição estava por metade, teriam que atravessar o rio e
caminhar tanto ou mais como tinham caminhado até então. Por isso seria melhor
pernoitar ali mesmo, ao abrigo de uma árvore, na encosta da serra e arranjar um
cantinho para colocar todos os porcos juntos.
O céu parecia ficar cada vez
mais baixo e de repente Maria começa a puxar pelos safões do seu pai assustada
e sem conseguir dizer uma palavra pelo que estava a ver, só se ouve Senhorinha
a gritar do meio da encosta:
- Filipe traz as gaiatas e juntem os porcos, está a formar-se uma
tempestade!
O céu parece que ia desabar. O
vento começa a soprar e Beatriz levanta a cabeça e olha para o céu enquanto
sente o vento no seu rosto e diz em voz alta num tom quase zangada: - Meu amigo vento, venhas tu de onde vieres,
não nos podes fazer mal… vai soprar para a outra margem do rio e dá-nos tempo
para nos abrigarmos!
O seu pai pega na cadela em
braços e pede às suas filhas para irem ajudar a sua mãe com os porcos, enquanto
ele coloca aquele animal quase desfalecido numa pequena toca numa rocha
abrigada do vento e da chuva.
O vento continua a soprar mais
forte. Começam a cair umas gotas de água, grandes e frias. Maria grita à sua
irmã - Bia traz o salta-pocinhas que ficou
naquela banda –apontando para o local onde encontraram a cadela.
O salta-pocinhas era um
porquinho de pouco tempo de vida que se tornou mais próximo da família e por
isso, por vezes ficava afastado do restante grupo.
Beatriz corre e começa a
gritar pelo porquinho. Este ao ouvi-la começa a correr para mais longe enquanto
vai falando com ele: - Salta-pocinhas não
estou a brincar, volta para os teus irmãos, o nosso amigo vento está um pouco
zangado e se ele te agarra vais voar pelo ar…
A escuridão estava cada vez
mais forte. E seu pai, com medo que Beatriz se perdesse começa a correr atrás
dela. O vento parecia formar uma espécie de funil que ia aspirando tudo o que
encontrava e Filipe deixa de ver Beatriz no meio da chuva e do vento. O pânico
instala-se!
De repente Filipe sente-se
puxado pelos safões. Era sua filha Beatriz que tinha encontrado um pequena
gruta numa rocha, onde estava com o porquinho salta-pocinhas! E de forma serena
e tranquila diz ao seu pai: - Paizinho tens
que confiar mais! Tens que aprender a ver com o coração e a segui-lo, só assim
me poderás encontrar!
Abraçam-se intensamente. E
neste momento Filipe sorri emocionado recordando por breves instantes a sua
inocente infância passada no campo.
Entretanto, no alto da
encosta, Senhorinha e Maria debatiam-se em juntar todos os porcos e abrigar-se
da intempérie que se tinha instalado naquele local.
Joaquim Caeiro
(Histórias da Vida Real)
Life Coach | jcaeiro@live.com.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário