Capítulo 4

Capítulo 4 | O 1º contacto é a raiz da ligação humana

O sol acariciava suavemente a encosta no seu despertar. O som da água do rio cintilava com uma intensidade diferente. Os pássaros chilreavam com alguma determinação, ignorando o movimento matinal dos porquitos que começavam a fossar na terra.
Os pais de Beatriz e Antónia, sua irmã, ainda dormiam, na malhada improvisada após tempestade. Tudo parecia muito cansado e diferente naquela manhã. Muito lentamente, Beatriz esgueirou-se ligeiramente e espreitou a sua cadela e o porquinho salta-pocinhas. Tudo estava bem e aparentemente tranquilo.
Beatriz voltava a colocar a cabeça em posição de quem ia continuar a dormir, quando de repente ouve uma espécie de cacarejar estranho. Inquieta com aquele som, não querendo acordar os seus pais e irmã, levanta-se com muito cuidado para que ninguém perceba que ela vai sair dali.
O som vinha da encosta lateral, por onde haviam passado uns dias atrás. A brisa da manhã, fresca e limpa, fazia sorrir Beatriz, como se de alguma forma reconhecesse o seu amigo vento que subtilmente a cumprimentava. O cacarejar, parecido ao de uma galinha, havia parado entretanto. E subitamente Beatriz apercebe-se que havia mais pessoas por perto. Três homens e um rancho de mulheres com uns trajes estranhos cantarolavam e falavam alegremente enquanto caminhavam com alguma rapidez. Beatriz tenta esconder-se, baixando-se por entre as rochas e as estevas. Mas, no mesmo instante que o faz, uma mão toca o seu ombro. Beatriz assusta-se, gritando um ‘aaaiiiii’ sonoro.
- Quem és tu? Pergunta Beatriz ao rapaz bem apresentado, com uma galinha debaixo do braço.
- Eu sou o Zé! Filho dos vaqueiros das Areias. Que fazes aqui escondida? Estás sozinha?
Antes que Beatriz respondesse, surge o seu pai um pouco perturbado interrompendo aquele momento tão estranho e ao mesmo tempo natural para Beatriz. Zé, o rapaz da galinha, apresenta-se a Filipe e despede-se, apontando para o grupo de pessoas que cantavam, referindo que está com o seu pai e se dirigem para a herdade onde vão colher e tratar o milho.
Beatriz, ainda sob o efeito do susto e da surpresa é levada pelo pai para junto da sua mãe e irmã, enquanto tenta seguir com o olhar, o mais que pode, o Zé a afastar-se daquele local. E Zé faz o mesmo!
Beatriz não tinha conhecido nenhum rapaz assim tão perto. Apercebeu-se que a galinha que cacarejava era dele, ou de alguma daquelas pessoas.
O som das cantorias, ficava cada vez mais distante, e no coração de Beatriz pulsava uma enorme vontade de correr atrás e voltar a falar com o Zé. A sua cadela e o salta-pocinhas brincavam alegremente, como se sempre tivessem estado juntos. Mas, isso já não entusiasmava Beatriz, ela só pensava naquela experiência com o Zé.
Era hora de comer alguma coisa e preparar para atravessar o rio.
Um pedaço de pão torrado na fogueira, barrado com tocinho, era o pequeno-almoço de todos. O rio estava calmo. Maria Antónia parecia um pouco ansiosa. Beatriz aproxima-se perguntando:
- ‘Mana, que se passa?!
- Nada! Não me digas nada agora! Responde Antónia
- Mas porquê? Pareces que estás com medo de algo!!
- Achas que atravessar um rio com todos os porquinhos é uma coisa que nos deixa tranquilos e calmos?
- …. O quê?!! (Responde Beatriz) Como vai ser isso…?? Ohhh paiii, como vamos atravessar o rio com os porquinhos? Eles sabem nadar? Dirigindo-se para o seu pai.
Só agora Beatriz tinha percebido que teriam de atravessar o rio para o outro lado. A sua expressão muda drasticamente. Não por ela, mas pelos porquinhos. De repente fica preocupada!
- Como poderiam eles passar para o outro lado nadando se nunca os viu nadar? Será que não havia outra forma de o fazer? Pensava Beatriz!
Senhorinha, na sua calma e sabedoria, aproxima-se de Beatriz, colocando uma mão no seu ombro, - por breves instantes Beatriz coloca a hipótese de ser o Zé outra vez a tocar-lhe no ombro -, e ao olhar percebe que é sua mãe, que lhe diz:
- Minha filha, não te preocupes, as mães porcas vão ensinar os seus filhotes a nadar. E vais ver, tudo vai correr bem. Vamos escolher uma zona onde a água seja baixa e assim será mais fácil!
- Sim mamã. Mas como vamos passar todos ao mesmo tempo? Não podemos andar à margem do rio?
- Não minha filha. A próxima ponte fica muito longe daqui. E temos que apressar-nos, para falarmos com os novos patrões do teu pai.
- Patrões?! Vamos mudar de vida mamã?... eu não quero mudar…!!!
- Calma filha. Por vezes as mudanças são apenas e só nalgumas coisas, outras coisas ficarão iguais!
- E onde estão esses ‘novos patrões’?!! Pergunta Beatriz com uma certa acidez e ironia estampada no seu rosto!
- Na herdade das Areias Beatriz. Tu já lá foste uma vez, mas estavas na minha barriga ainda!
- …. Areias… areias… areias… -  onde é que eu já ouvi esse nome!?
Pergunta Beatriz a si mesma em voz alta sem chegar a conclusão nenhuma!
Filipe começa a juntar todos os porcos. Beatriz percebe que é o momento de sair dali. Sente uma leve brisa no rosto e sorri. Naquele momento sente a tranquilidade e a confiança de que tudo correrá bem. O seu amigo vento está presente!
Começam a descer a encosta e aproximam-se do rio. Naquele lugar a água chegava apenas aos tornozelos do pai de Beatriz. Naturalmente, como se fizessem aquilo todos os dias, os porquinhos mais novos, começam a atravessar o rio, enquanto saltitam e brincam alegremente. A única que parecia ter medo e insistia em ficar, era a cadela que encontraram. Mas Beatriz, sem pensar duas vezes pega nela ao colo e atravessa o rio para o outro lado!
Maria Antónia estava mais feliz e tranquila. Tudo tinha corrido bem. Ninguém se magoou na travessia do rio. Aproxima-se de Beatriz e pergunta com um ar inquisidor, de quem tinha perdido algo importante:
- Olha lá o que se passou hoje de manhã que o pai parecia zangado quando vinham daquela ribanceira? Fiquei desconfiada de ouvir vozes, mas não percebi bem o que se passou!!
Beatriz, entretida com o salta-pocinhas e a sua cadela, no meio da brincadeira e dos saltos responde sem prestar muita atenção à irmã:
- Ouvi um cacarejar. Fui espreitar. Pensei que uma galinha estivesse entalada ou ferida. E aparece um rapaz…!
- Antónia interrompe com um ar curioso – Rapaz!!!???....
- Sim um rapaz! Trazia a galinha que eu procurava, debaixo do braço e caminhava com um grupo de pessoas para o trabalho. Foram apanhar milho.
Antónia, intrigada, ficou a pensar… e Beatriz sem esperar continuava a contar a sua experiência…
- Apanhei um cagaço, tu sabes lá!!! Estava a tentar esconder-me deles, e ele veio por trás e toca-me no ombro. (Beatriz faz uma pausa e continua) Chama-se Zé!! - Diz Beatriz com um olhar brilhante e alegre, como se quisesse fazer inveja à sua irmã. E, continuou o seu discurso – Os pais dele vivem nas Areias e são vaqueiros!
Quando Beatriz diz a palavra ‘Areias’, pára, esbogalha os olhos para a irmã e dá um salto, agarrando a irmã pelos braços e corre pelo campo feliz - acabara de perceber que o local para onde estão a ir é o mesmo. E assim, terá mais possibilidades de voltar a ver o Zé outra vez! J

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