O sol acariciava suavemente a
encosta no seu despertar. O som da água do rio cintilava com uma intensidade
diferente. Os pássaros chilreavam com alguma determinação, ignorando o
movimento matinal dos porquitos que começavam a fossar na terra.
Os pais de Beatriz e Antónia,
sua irmã, ainda dormiam, na malhada improvisada após tempestade. Tudo parecia
muito cansado e diferente naquela manhã. Muito lentamente, Beatriz esgueirou-se
ligeiramente e espreitou a sua cadela e o porquinho salta-pocinhas. Tudo estava
bem e aparentemente tranquilo.
Beatriz voltava a colocar a
cabeça em posição de quem ia continuar a dormir, quando de repente ouve uma
espécie de cacarejar estranho. Inquieta com aquele som, não querendo acordar os
seus pais e irmã, levanta-se com muito cuidado para que ninguém perceba que ela
vai sair dali.
O som vinha da encosta
lateral, por onde haviam passado uns dias atrás. A brisa da manhã, fresca e
limpa, fazia sorrir Beatriz, como se de alguma forma reconhecesse o seu amigo
vento que subtilmente a cumprimentava. O cacarejar, parecido ao de uma galinha,
havia parado entretanto. E subitamente Beatriz apercebe-se que havia mais
pessoas por perto. Três homens e um rancho de mulheres com uns trajes estranhos
cantarolavam e falavam alegremente enquanto caminhavam com alguma rapidez.
Beatriz tenta esconder-se, baixando-se por entre as rochas e as estevas. Mas,
no mesmo instante que o faz, uma mão toca o seu ombro. Beatriz assusta-se,
gritando um ‘aaaiiiii’ sonoro.
- Quem és tu? Pergunta Beatriz ao rapaz bem apresentado, com uma
galinha debaixo do braço.
- Eu sou o Zé! Filho dos vaqueiros das Areias. Que fazes aqui escondida?
Estás sozinha?
Antes que Beatriz respondesse,
surge o seu pai um pouco perturbado interrompendo aquele momento tão estranho e
ao mesmo tempo natural para Beatriz. Zé, o rapaz da galinha, apresenta-se a
Filipe e despede-se, apontando para o grupo de pessoas que cantavam, referindo
que está com o seu pai e se dirigem para a herdade onde vão colher e tratar o
milho.
Beatriz, ainda sob o efeito do
susto e da surpresa é levada pelo pai para junto da sua mãe e irmã, enquanto
tenta seguir com o olhar, o mais que pode, o Zé a afastar-se daquele local. E
Zé faz o mesmo!
Beatriz não tinha conhecido
nenhum rapaz assim tão perto. Apercebeu-se que a galinha que cacarejava era
dele, ou de alguma daquelas pessoas.
O som das cantorias, ficava
cada vez mais distante, e no coração de Beatriz pulsava uma enorme vontade de
correr atrás e voltar a falar com o Zé. A sua cadela e o salta-pocinhas
brincavam alegremente, como se sempre tivessem estado juntos. Mas, isso já não
entusiasmava Beatriz, ela só pensava naquela experiência com o Zé.
Era hora de comer alguma coisa
e preparar para atravessar o rio.
Um pedaço de pão torrado na
fogueira, barrado com tocinho, era o pequeno-almoço de todos. O rio estava
calmo. Maria Antónia parecia um pouco ansiosa. Beatriz aproxima-se perguntando:
- ‘Mana, que se passa?!’
- Nada! Não me digas nada agora! Responde Antónia
- Mas porquê? Pareces que estás com medo de algo!!
- Achas que atravessar um rio com todos os porquinhos é uma coisa que nos
deixa tranquilos e calmos?
- …. O quê?!! (Responde Beatriz) Como
vai ser isso…?? Ohhh paiii, como vamos atravessar o rio com os porquinhos? Eles
sabem nadar? Dirigindo-se para o seu pai.
Só agora Beatriz tinha
percebido que teriam de atravessar o rio para o outro lado. A sua expressão
muda drasticamente. Não por ela, mas pelos porquinhos. De repente fica
preocupada!
- Como poderiam eles passar para o outro lado nadando se nunca os viu
nadar? Será que não havia outra forma de o fazer? Pensava Beatriz!
Senhorinha, na sua calma e
sabedoria, aproxima-se de Beatriz, colocando uma mão no seu ombro, - por breves
instantes Beatriz coloca a hipótese de ser o Zé outra vez a tocar-lhe no ombro
-, e ao olhar percebe que é sua mãe, que lhe diz:
-
Minha filha, não te preocupes, as mães porcas vão ensinar os seus filhotes a
nadar. E vais ver, tudo vai correr bem. Vamos escolher uma zona onde a água
seja baixa e assim será mais fácil!
-
Sim mamã. Mas como vamos passar todos ao mesmo tempo? Não podemos andar à
margem do rio?
-
Não minha filha. A próxima ponte fica muito longe daqui. E temos que
apressar-nos, para falarmos com os novos patrões do teu pai.
-
Patrões?! Vamos mudar de vida mamã?... eu não quero mudar…!!!
-
Calma filha. Por vezes as mudanças são apenas e só nalgumas coisas, outras coisas
ficarão iguais!
-
E onde estão esses ‘novos patrões’?!! Pergunta Beatriz com uma certa
acidez e ironia estampada no seu rosto!
-
Na herdade das Areias Beatriz. Tu já lá foste uma vez, mas estavas na minha
barriga ainda!
- …. Areias… areias… areias… -
onde é que eu já ouvi esse nome!?
Pergunta Beatriz a si mesma em
voz alta sem chegar a conclusão nenhuma!
Filipe começa a juntar todos
os porcos. Beatriz percebe que é o momento de sair dali. Sente uma leve brisa
no rosto e sorri. Naquele momento sente a tranquilidade e a confiança de que tudo
correrá bem. O seu amigo vento está presente!
Começam a descer a encosta e
aproximam-se do rio. Naquele lugar a água chegava apenas aos tornozelos do pai
de Beatriz. Naturalmente, como se fizessem aquilo todos os dias, os porquinhos
mais novos, começam a atravessar o rio, enquanto saltitam e brincam alegremente.
A única que parecia ter medo e insistia em ficar, era a cadela que encontraram.
Mas Beatriz, sem pensar duas vezes pega nela ao colo e atravessa o rio para o
outro lado!
Maria Antónia estava mais
feliz e tranquila. Tudo tinha corrido bem. Ninguém se magoou na travessia do
rio. Aproxima-se de Beatriz e pergunta com um ar inquisidor, de quem tinha
perdido algo importante:
-
Olha lá o que se passou hoje de manhã que o pai parecia zangado quando vinham
daquela ribanceira? Fiquei desconfiada de ouvir vozes, mas não percebi bem o
que se passou!!
Beatriz, entretida com o
salta-pocinhas e a sua cadela, no meio da brincadeira e dos saltos responde sem
prestar muita atenção à irmã:
-
Ouvi um cacarejar. Fui espreitar. Pensei que uma galinha estivesse entalada ou
ferida. E aparece um rapaz…!
- Antónia interrompe com um ar
curioso – Rapaz!!!???....
-
Sim um rapaz! Trazia a galinha que eu procurava, debaixo do braço e caminhava
com um grupo de pessoas para o trabalho. Foram apanhar milho.
Antónia, intrigada, ficou a pensar…
e Beatriz sem esperar continuava a contar a sua experiência…
-
Apanhei um cagaço, tu sabes lá!!! Estava a tentar esconder-me deles, e ele veio
por trás e toca-me no ombro. (Beatriz faz uma pausa e
continua) Chama-se Zé!! - Diz Beatriz
com um olhar brilhante e alegre, como se quisesse fazer inveja à sua irmã. E,
continuou o seu discurso – Os pais dele
vivem nas Areias e são vaqueiros!
Quando Beatriz diz a palavra ‘Areias’, pára, esbogalha os olhos para a
irmã e dá um salto, agarrando a irmã pelos braços e corre pelo campo feliz - acabara
de perceber que o local para onde estão a ir é o mesmo. E assim, terá mais possibilidades
de voltar a ver o Zé outra vez! J
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