Capítulo 6

Capítulo 6 | A verdade está no que sentimos e não no que vemos

A primeira luz da manhã abraçava Beatriz, quando esta despertou e se espreguiçou. O porquinho salta-pocinhas e a cadela dormiam profundamente aninhados um no outro, como se tivessem ficado a noite inteira de vigilância. Os pais de Beatriz estavam agitados, de um lado para o outro, arrumando as coisas.
- Bom dia mamã, bom dia papá! – diz Beatriz, com voz sonolenta enquanto se arrasta e se aproxima do salta-pocinhas e da cadela tentando enroscar-se com eles, para dormir mais um pouco.
- Bom dia filhota! Vamos lá levantar! Temos um longo dia pela frente. – diz sua mãe.

Com um olho aberto e o outro semi-fechado, Beatriz responde – ´Sim mamã, já vou…’’- enquanto permanece meio aninhada com a cadela e com o salta-pocinhas. Ainda em estado sonolento, olhando para o horizonte, observa as cores que tocam o chão e os pequenos bichinhos, formigas e insetos que se movimentam, começando o seu dia também. O seu amigo vento levanta uma pena no ar, empurrando-a para o lado oposto onde Beatriz estava. Aquele movimento chamou a atenção de Beatriz que se levanta repentinamente e corre a agarrar a pena que parecia dançar no ar desafiando-a.

Beatriz abre as suas mãos. Um movimento que parece ter sido combinado e ensaiado com o seu amigo vento empurra a pena para as suas mãos. Naquele momento tudo parece ter parado para Beatriz. Os seus grandes olhos castanhos, espantados e felizes apreciavam de forma muito intensa a possibilidade de segurar uma simples pena. Mas, para Beatriz não era uma ‘simples’ pena – poderia ser a pena da galinha do rapaz que ela conheceu – pensou ela. Se assim fosse, ele estaria por perto.
Com tudo isto, Beatriz distancia-se um pouco do acampamento e apercebe-se que os seus pais a chamavam. Guarda a pena no bolso e corre na sua direção. No caminho encontra uma pequena poça de água na concavidade de uma rocha e aproveita para lavar a cara. Corre feliz para junto dos seus pais ajudando no que era necessário.

Beatriz sentia um entusiasmo diferente. A pena trouxe-lhe à memória que mais do que tudo, poderia voltar a encontrar aquele rapaz que ela conheceu. Como se fosse um sinal do universo, trazido pelo seu amigo vento.


Enquanto Beatriz cantarolava, arrumando as suas coisas e tratando que o salta-pocinhas e a cadela se levantassem, Antónia, que tinha chegado entretanto das suas novas ‘tarefas’ mais intimas, atira-lhe uma pequena pedra metendo-se com ela dizendo: - Bom dia maninha! Já vi que dormiste bem.
Beatriz reage à pedra e ao seu cumprimento correndo para a irmã mostrando-lhe a pena.
- Mana, olha o que o meu amigo vento me trouxe!! Uma pena de galinha!
- Ah, ah , ah! Só tu realmente para me fazeres rir – achas que as galinhas andam por aqui…? Isso deve ser a pena de um pato bravo ou de outro bicho qualquer, mas de galinha de certeza que não é!!!
- Não te rias! As galinhas podem não viver aqui, mas as penas podem voar de muito longe…
- Lá isso é verdade maninha. – diz Antónia apertando Beatriz contra o seu corpo num ato carinhoso de bom dia, não dando muita importância ao assunto!

O sol já estava alto quando saíram do acampamento.
As paredes semidestruídas, do monte abandonado, pareciam despedir-se da família e dos porquinhos. Beatriz era a única que ficava para trás e tinha este tipo de pensamento. Ela ligava-se aos lugares de forma especial. Fosse uma pedra, uma árvore, uma parede ou qualquer outra coisa, Beatriz conseguia sentir-se parte de todos os lugares que ia conhecendo, como se ela própria fosse o lugar. Beatriz esperava sempre que o seu amigo vento surgisse. Uma espécie de confirmação de que tudo estava certo. E bastava uma pequena e suave brisa, para que Beatriz se focasse na caminhada e no momento seguinte.

A jornada continuou ao longo do dia, por entre cabeços e montes, paragens e descansos. Beatriz estava cansada e desejava parar. Arrastava os pés, como se o seu corpo pesasse mais do que normal. Chegou a pensar se a pena que trazia no bolso não lhe estava a pesar!!!

Antónia, atenta às variações de humor de sua irmã pergunta-lhe:
- Mana, que se passa? Queres beber água ou comer um pedaço de pão?
- Não se passa nada… estou cansada, muito cansada. Quero parar!
- Estamos quase a chegar. Vá lá levanta a cabeça e continua a andar. O pai e a mãe já estão um pouco afastados de nós. Temos de nos despachar.

O caminho rodeado de estevas, criava a sensação de que alguma insegurança. Como se de repente algum animal surgisse do nada. Beatriz não se incomodava muito com isso, mas sentia a pressão do medo e alguma insegurança na voz de sua irmã. Veredas criadas ao longo de vidas e vidas de pastores que por ali pastaram os seus animais deixavam a sensação de familiaridade.
- Afinal não somos os únicos a andar por aqui! – diz Beatriz num tom arrastado e cansado.
- Claro que não mana. Por aqui passam todos os pastores com os seus animais. Este é o caminho que todos fazem para levar os seus animais ao seu destino.
Beatriz não sentiu força para perguntar mais coisas, mas ficou pensativa, apercebeu-se que algo iria mudar quando chegassem ao monte das Areias.

Os sons dos animais começavam a sentir-se de forma mais intensa. O anoitecer fazia com que Beatriz ficasse mais desperta e atenta a tudo à sua volta. O seu pai tinha-lhe dito que naquela zona havia javalis e outros animais selvagens. Qualquer barulho, na luminosidade do fim do dia, fazia Beatriz ficar mais atenta.

Só faltava fazer uma encosta para chegar ao monte. O grande lago, habitado por centenas de rãs que cantavam celebrando o final do dia, deliciaram Beatriz. Tudo parecia perfeito. Conseguia-se avistar um cercado, para lá do monte, onde se viam vacas e bois. Beatriz corre para o seu pai e pergunta-lhe:
- Papá está a ver lá ao fundo? (apontando com a sua mãozinha suja de terra) São vaquinhas não são?
- Sim filha são as vacas do ‘Guita’. Ele e a sua família estão a viver neste monte.
- E o ‘Sr Guita’ tem algum filho papá?
- Sim, tem dois filhos, o Zé e o Jaquim Mendes. Mas porque queres saber?
- Porque sim papá. Assim posso ter mais amigos para brincar.

Beatriz sentia-se feliz e entusiasmada, estava prestes a chegar ao seu destino. E concluía no seu pensamento ‘Afinal a pena veio confirmar que estou no caminho certo… não importa que a pena não seja de galinha, o que importa realmente é a lembrança que ela me trouxe!’
(continua) 


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