A primeira luz da manhã abraçava Beatriz, quando esta despertou e se espreguiçou. O porquinho salta-pocinhas e a cadela dormiam profundamente aninhados um no outro, como se tivessem ficado a noite inteira de vigilância. Os pais de Beatriz estavam agitados, de um lado para o outro, arrumando as coisas.
- Bom dia mamã, bom dia papá! – diz Beatriz, com voz sonolenta
enquanto se arrasta e se aproxima do salta-pocinhas e da cadela tentando
enroscar-se com eles, para dormir mais um pouco.
- Bom dia filhota! Vamos lá levantar! Temos um longo dia pela frente.
– diz sua mãe.
Com um olho aberto e o outro semi-fechado, Beatriz responde – ´Sim mamã, já vou…’’- enquanto permanece meio aninhada com a cadela e com o salta-pocinhas. Ainda em estado sonolento, olhando para o horizonte, observa as cores que tocam o chão e os pequenos bichinhos, formigas e insetos que se movimentam, começando o seu dia também. O seu amigo vento levanta uma pena no ar, empurrando-a para o lado oposto onde Beatriz estava. Aquele movimento chamou a atenção de Beatriz que se levanta repentinamente e corre a agarrar a pena que parecia dançar no ar desafiando-a.
Beatriz abre as suas mãos. Um movimento que parece ter sido combinado e ensaiado com o seu amigo vento empurra a pena para as suas mãos. Naquele momento tudo parece ter parado para Beatriz. Os seus grandes olhos castanhos, espantados e felizes apreciavam de forma muito intensa a possibilidade de segurar uma simples pena. Mas, para Beatriz não era uma ‘simples’ pena – poderia ser a pena da galinha do rapaz que ela conheceu – pensou ela. Se assim fosse, ele estaria por perto.
Com tudo isto, Beatriz
distancia-se um pouco do acampamento e apercebe-se que os seus pais a chamavam.
Guarda a pena no bolso e corre na sua direção. No caminho encontra uma pequena
poça de água na concavidade de uma rocha e aproveita para lavar a cara. Corre
feliz para junto dos seus pais ajudando no que era necessário.
Beatriz sentia um entusiasmo diferente. A pena trouxe-lhe à memória que mais do que tudo, poderia voltar a encontrar aquele rapaz que ela conheceu. Como se fosse um sinal do universo, trazido pelo seu amigo vento.
Enquanto Beatriz cantarolava,
arrumando as suas coisas e tratando que o salta-pocinhas e a cadela se
levantassem, Antónia, que tinha chegado entretanto das suas novas ‘tarefas’
mais intimas, atira-lhe uma pequena pedra metendo-se com ela dizendo: - Bom dia maninha! Já vi que dormiste bem.
Beatriz reage à pedra e ao seu
cumprimento correndo para a irmã mostrando-lhe a pena.
-
Mana, olha o que o meu amigo vento me trouxe!! Uma pena de galinha!
-
Ah, ah , ah! Só tu realmente para me fazeres rir – achas que as galinhas andam
por aqui…? Isso deve ser a pena de um pato bravo ou de outro bicho qualquer,
mas de galinha de certeza que não é!!!
-
Não te rias! As galinhas podem não viver aqui, mas as penas podem voar de muito
longe…
-
Lá isso é verdade maninha. – diz Antónia apertando Beatriz
contra o seu corpo num ato carinhoso de bom dia, não dando muita importância ao
assunto!
O sol já estava alto quando saíram do acampamento.
As paredes semidestruídas, do
monte abandonado, pareciam despedir-se da família e dos porquinhos. Beatriz era
a única que ficava para trás e tinha este tipo de pensamento. Ela ligava-se aos
lugares de forma especial. Fosse uma pedra, uma árvore, uma parede ou qualquer
outra coisa, Beatriz conseguia sentir-se parte de todos os lugares que ia
conhecendo, como se ela própria fosse o lugar. Beatriz esperava sempre que o
seu amigo vento surgisse. Uma espécie de confirmação de que tudo estava certo.
E bastava uma pequena e suave brisa, para que Beatriz se focasse na caminhada e
no momento seguinte.
A jornada continuou ao longo do dia, por entre cabeços e montes, paragens e descansos. Beatriz estava cansada e desejava parar. Arrastava os pés, como se o seu corpo pesasse mais do que normal. Chegou a pensar se a pena que trazia no bolso não lhe estava a pesar!!!
Antónia, atenta às variações de humor de sua irmã pergunta-lhe:
-
Mana, que se passa? Queres beber água ou comer um pedaço de pão?
-
Não se passa nada… estou cansada, muito cansada. Quero parar!
-
Estamos quase a chegar. Vá lá levanta a cabeça e continua a andar. O pai e a
mãe já estão um pouco afastados de nós. Temos de nos despachar.
O caminho rodeado de estevas, criava a sensação de que alguma insegurança. Como se de repente algum animal surgisse do nada. Beatriz não se incomodava muito com isso, mas sentia a pressão do medo e alguma insegurança na voz de sua irmã. Veredas criadas ao longo de vidas e vidas de pastores que por ali pastaram os seus animais deixavam a sensação de familiaridade.
-
Afinal não somos os únicos a andar por aqui! – diz Beatriz num tom
arrastado e cansado.
-
Claro que não mana. Por aqui passam todos os pastores com os seus animais. Este
é o caminho que todos fazem para levar os seus animais ao seu destino.
Beatriz não sentiu força para
perguntar mais coisas, mas ficou pensativa, apercebeu-se que algo iria mudar quando
chegassem ao monte das Areias.
Os sons dos animais começavam a sentir-se de forma mais intensa. O anoitecer fazia com que Beatriz ficasse mais desperta e atenta a tudo à sua volta. O seu pai tinha-lhe dito que naquela zona havia javalis e outros animais selvagens. Qualquer barulho, na luminosidade do fim do dia, fazia Beatriz ficar mais atenta.
Só faltava fazer uma encosta para chegar ao monte. O grande lago, habitado por centenas de rãs que cantavam celebrando o final do dia, deliciaram Beatriz. Tudo parecia perfeito. Conseguia-se avistar um cercado, para lá do monte, onde se viam vacas e bois. Beatriz corre para o seu pai e pergunta-lhe:
-
Papá está a ver lá ao fundo? (apontando com a sua mãozinha
suja de terra) São vaquinhas não são?
-
Sim filha são as vacas do ‘Guita’. Ele e a sua família estão a viver neste
monte.
-
E o ‘Sr Guita’ tem algum filho papá?
-
Sim, tem dois filhos, o Zé e o Jaquim Mendes. Mas porque queres saber?
-
Porque sim papá. Assim posso ter mais amigos para brincar.
Beatriz sentia-se feliz e entusiasmada, estava prestes a chegar ao seu destino. E concluía no seu pensamento ‘Afinal a pena veio confirmar que estou no caminho certo… não importa que a pena não seja de galinha, o que importa realmente é a lembrança que ela me trouxe!’
(continua)
Nenhum comentário:
Postar um comentário