Capítulo 7

Capítulo 7 | A vida é feita de ciclos


O sol já se escondia, quando Beatriz e a sua família chegaram aos primeiros cercados do Monte das Areias. A escuridão da noite começava a tomar conta do lugar.
Todos estavam muito cansados, à exceção de Beatriz que, após terem passado o grande lago das rãs e à medida que se iam aproximando do monte, parecia ter recuperado do cansaço. Ela sabia que se aproximava do local onde, possivelmente iria a ver o Zé – o rapaz da galinha.

Já era noite. Os porquitos, cansados já não obedeciam como habitualmente. Teriam que passar várias cercas até chegarem à zona das malhadas, onde iriam pernoitar. Seria a primeira vez, depois de tanto tempo que estes porquitos ficariam entre paredes.
As vacas viam-se como vultos no escuro, remoendo a comida na boca, fazendo tocar um ou outro chocalho. Fazia-se silêncio. Ordem dada por Filipe, para que os porquitos não se espantassem e corresse tudo pelo melhor.
Beatriz divagava nos seus pensamentos – ‘As vaquinhas parecem saber destes movimentos de pessoas e animais. Estão tão quietas… tudo parece tão perfeito e natural aqui…!’

Ainda Beatriz não tinha terminado o pensamento, surge a luz de um candeeiro ao longe. Filipe dirige-se à luz e cumprimenta a pessoa. Beatriz, Antónia e Senhorinha ficam para trás, vigiando os porquinhos.
A luz do candeeiro começa a afastar-se e Filipe faz sinal para se avançar e seguir a luz. A pouca iluminação permitia ver-se o céu cheio de estrelas. Enquanto Beatriz se perdia nos pensamentos, os porquitos eram encaminhados para a malhada. Nesse momento uma brisa suave acaricia o rosto de Beatriz desviando os seus cabelos do rosto. Ela abre os braços e sorri, como que agradecendo ao seu amigo Vento, por tudo ter corrido bem. Por uns breves instantes sente-se em ‘casa’ e corre de seguida para junto de sua irmã.

O Sr Guita esperava-os à porta da malhada, dando instruções a Filipe, como deveria acomodar todos os porquitos nas várias pocilgas criadas para o efeito. Tudo parecia demasiado organizado para Beatriz. De repente, uma espécie de sombra cai sobre a sua mente, quando começa a ver que estavam a separar os porquitos.  

Beatriz corre para junto de sua mãe, que tratava de arrumar todas as coisas que transportaram durante a jornada, e diz:
- ‘Mamã, o que está a acontecer? Os porquitos vão ficar tristes por ficarem separados… É só para passar a noite, certo? E o salta-pocinhas, como vai conseguir dormir separado da sua amiga patuda!?’
- Minha querida filha - responde senhorinha puxando-a para fora da malhada – tudo na vida tem um princípio e um fim. Os porquinhos foram criados para este momento. Este é o seu destino. A partir de agora viverão nestas pocilgas até serem vendidos…’
Com os olhos cheios de água, quase a chorar, Beatriz responde à mãe:
- Mamã, não posso acreditar que a felicidade dos porquinhos acabe aqui. Que se passará a seguir? O que vamos fazer depois de serem vendidos? Como vai ser com o salta-pocinhas, também será vendido??
- Bia sei que te custa muito tudo isto, mas o salta-pocinhas é apenas um porco igual aos outros e terá o mesmo destino dos outros, minha filha.

Beatriz desata a chorar e corre afastando-se de sua mãe. Senta-se numa pequena pedra e põe a sua cara sob os joelhos chorando sem parar.
Senhorinha reconhece naquela atitude um pouco daquilo que ela própria viveu quando tinha a idade de Beatriz, quando percebeu que nem tudo era perfeito como ela desejava. Então, mantendo-se afastada de Beatriz deu-lhe espaço e tempo para que ela processasse tudo.

Beatriz levanta a cabeça e olha as estrelas do céu. A patuda, amiga do salta-pocinhas, aproxima-se e começa a lamber o rosto de Beatriz, confortando-a. Beatriz abraça-a e chora compulsivamente mais uma vez. Entretanto sente-se tocada no ombro e reage, afastando o ombro da mão, pensando que fosse a sua irmã dizendo: - ‘Deixa-me! Não quero estar com ninguém. Não quero falar com ninguém!...’
- ‘Olá!’
Nesse instante Beatriz percebe que não se trata da voz da sua irmã. A voz é de um rapaz! Beatriz enxuga as lágrimas, meio envergonhada e levanta o olhar procurando no escuro e na pouca iluminação que o candeeiro a petróleo dava, o rosto daquela voz.
- ‘Olá!’ – responde Beatriz
- Posso sentar-me ao teu lado?
- Podes… mas quem és tu?
- Sou o Zé, o filho do Guita. A tua mãe pediu-me que te viesse buscar para vos mostrarmos onde ficarão a dormir.
Beatriz pega no candeeiro e aproxima-o do rosto do rapaz, confirmando que aquele era o mesmo rapaz da galinha.
- Vives aqui? – pergunta Beatriz.
- Sim. Vivo aqui a maior parte do tempo. Porque estás triste?
Beatriz demora a responder e Zé diz-lhe:
-‘Se não quiseres responder, não respondas, mas temos de ir para dentro de casa!’
Após uns minutos de silêncio, Beatriz responde:
- ‘Estou triste porque os porquinhos vão ficar separados uns dos outros. Estou triste porque o porquinho, amigo da patuda, vai separar-se dela… e tenho medo que lhes aconteça alguma coisa de mal…’
- Eu também fiquei triste quando soube que os bezerros, filhos das vacas, eram separados muito cedo das suas mães. Mas fui-me habituando a isso. Percebi que, sem todo este movimento de animais, não poderíamos viver aqui… e nem tínhamos comida na mesa…
- Pois… eu sei que viver no campo como nós vivíamos era difícil e por vezes tínhamos algumas dificuldades, mas éramos felizes nessa vida simples e livre. Tinha muitos amigos com quem brincar… muitas coisas que me faziam sentir feliz.
- E agora vais ter na mesma, vais ver! - responde Zé, encorajando Beatriz, enquanto se levantam e encaminham para as casas.

Antes de chegarem às casas onde os seus pais se encontravam, Zé faz sinal a Beatriz, puxando-a para a zona das malhadas, onde estavam os porquinhos dizendo baixinho:
-Tive uma ideia. Mostra-me onde está o salta-pocinhas.
Depois de alguma procura, finalmente encontram o salta-pocinhas.
Zé diz: - ‘Vamos tirá-lo daqui. Sei de um sítio, que fica perto da casa onde vocês vão dormir, onde ele pode ficar com a patuda, o que achas? Depois amanhã vemos o que fazer…’

Beatriz sorriu e concordou com a ideia. Perguntando de seguida:
- E quando os nossos pais descobrirem? Que fazemos?
- Eu digo ao meu pai, para guardar o salta-pocinhas para barrasco e assim pode ficar sempre aqui. Precisamos de um porco-pai para haver outros porquinhos!!
Beatriz concordou. E por uns breves instantes deixa-se inundar por um misto de emoções e sensações. Se por lado se sentia triste por saber o destino dos porquinhos, sentia que a estava a iniciar uma nova fase da sua vida e que tinha de aproveitar. Enquanto divaga nos seus pensamentos e emoções, uma brisa suave toca o seu rosto. Beatriz sabia que o seu amigo Vento iria protegê-la e guiá-la sempre. Sentia que, nunca iria perder aquela ligação à vida, mas que tinha de aprender a aceitar o seu próprio crescimento.

Vira-se para Zé, pegando na pena que trazia no bolso e diz-lhe estendo a mão com a pena:
- ‘É para ti!’
- Que é isso? Uma pena? – pergunta Zé.
- Sim uma pena. Lembrei-me da galinha que tu levavas naquele dia. Lembrei-me que poderia ser dela e isso ajudou-me na minha caminhada. Fica com ela. Guarda-a.

Faz uma pausa pensativa e continua dizendo:
- Já alguma vez pensaste que nós, pessoas, podemos ser como as penas que voam livremente, parando aqui e acolá, sem nunca perderem a sua leveza? Já alguma vez pensaste que, os animais, as plantas, as flores são como nós, respiram como nós e sentem como nós? Já alguma vez pensaste que, aconteça o que acontecer existe algo que nunca muda dentro de nós – o que sentimos e a forma como vemos a vida e o mundo?

Zé olhava para Beatriz com ar de quem não estava a entender nada, permanecendo de mão estendida, meio hipnotizado com as palavras de Beatriz, enquanto esta conclui, olhando o céu estrelado:
- Não ligues! O mais importante é estarmos aqui… agora!
Beatriz sai na direção da casa onde se encontravam os seus pais e irmã. Zé fica um pouco mais atrás, meio pensativo com tudo o que havia ouvido. Sabia que a sua vida, perto de Beatriz nunca mais iria ser a mesma! FIM

E a história da primeira fase da vida de Beatriz termina aqui.
O salta-pocinhas tornou-se uma espécie de porco-cão, por acompanhar e crescer com a patuda. Anos mais tarde sabemos que Zé e Beatriz casaram e formaram família. Beatriz nunca perdeu a ligação à essência da vida. Até aos dias de hoje, ainda fala com as plantas, com o vento e com as flores. Continua a respeitar e a cuidar todas as formas de vida, como se da própria vida dela se tratasse. Beatriz, apesar de mulher, será uma eterna criança sensível, procurando em cada forma de vida o seu próprio reflexo e presença. ♥

3 comentários:

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  3. Ohh que lindo.
    A história da tua mãe me faz lembrar a minha. Também dormi em malhadas, ao relento, tive todos esses animais e mais alguns. Revi-me em tudo.☺

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